O blog Conceitos Táticos, como o próprio nome entrega, visa abordar os conceitos táticos no mundo do futebol. Meu objetivo é analisar, provocar, fazer pensar, discutir e tirar dúvidas sobre o assunto. Estou sempre aberto a opiniões, sugestões, críticas, perguntas, discordâncias e etc.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A seleção de 2002 e as possibilidades para 2014: um exercício de imaginação

             Felipão reassumiu a seleção. 11 anos depois da conquista do penta, novamente no meio do caminho e novamente com a “missão de resgatar o futebol brasileiro”. Já defendi aqui que o trabalho de Mano seguia um bom caminho, porém, quando realmente começava a engrenar foi interrompido por motivos puramente políticos. E agora, quais serão as mudanças no trabalho realizado por Felipão? O que está sendo feito aqui é um exercício puramente de imaginação levando-se em conta principalmente a seleção que conquistou o penta 11 anos atrás. 
Novo técnico da Seleção: como será seu trabalho?
             Com o intuito de dar maior liberdade para os laterais, excelentes no apoio, Felipão escalou um volante/zagueiro (Edmilson) cujo comportamento dependia do comportamento adversário: se jogavam com um atacante, Edmilson ficava ao lado de Gilberto Silva; se jogavam com dois atacantes, Edmilson compunha a linha defensiva, deixando Lúcio sempre na sobra. Além de Edmilson, Gilberto Silva atuava como primeiro volante, bem recuado, muito raramente se projetando ao ataque com a clara função de proteger a defesa.
           Fazendo a ligação entre defesa e ataque, além dos laterais, tínhamos Kleberson, na época em excelente forma física. Ele atuava ora próximo de Gilberto Silva ora na linha dos meias.

Kleberson fazendo a ligação entre defesa e ataque: excelente preparo físico.
             Na frente tínhamos Ronaldinho e Rivaldo se alternando na armação e Ronaldo na referência, sempre contando com os apoios de Kleberson e dos laterais. As jogadas normalmente eram verticais, com muitos passes em profundidade e ultrapassagens. Respeitando as características do centroavante (Ronaldo), não havia chuveirinhos, como costuma ocorrer em equipes comandadas pelo Felipão.

Um resumo das ações ofensivas: Ronaldinho e Rivaldo se alternando na armação, Ronaldo na referência  e apoio constante dos laterais (no caso, Cafu).
              Atualmente nossos laterais novamente estão entre os melhores do mundo, e novamente tendo como grande triunfo a qualidade no apoio: Daniel Alves e Marcelo. Com isso, é capaz que Felipão repita a estratégia de escalar volantes que façam a cobertura e dêem liberdade aos laterais. David Luiz é um zagueiro de grande qualidade técnica e costume de subir ao ataque com a bola dominada, além de ter sido recentemente testado (e ido bem) no Chelsea na posição de volante. Pode realizar a função de Edmilson na copa de 2002. Na cabeça de área, Felipão deve escalar um “cão de guarda”, um volante puramente marcador que raramente ultrapassa a linha do meio. Dentre as opções temos: Felipe Melo, Sandro, Ralf, Lucas Leiva...
              Na função de realizar a transição defesa ataque temos hoje dois jogadores com características semelhantes a de Kleberson: Paulinho e Ramires devem brigar por uma vaga. Lembrando que Juninho Paulista, uma meia mais ofensivo, iniciou a copa nessa função, Oscar pode estar correndo por fora.
            Felipão já manifestou que deve contar com a experiência de alguns jogadores, logo, Ronaldinho é fortíssimo candidato a retomar o posto como articulador principal (ocupado por Rivaldo em 2002), tendo Neymar ao seu lado, revezando-se entre armação e ataque. Na frente não temos mais Ronaldo Fenômeno, mas Felipão não abre mão de uma referência, um centroavante finalizador. Deve entrar Fred, artilheiro do campeonato brasileiro (Luis Fabiano e Leandro Damião correm por fora).
            No gol não temos hoje nenhuma unanimidade. Se optar pela experiência, pode contar com Julio César, em franca decadência. Pela fase atual os candidatos mais fortes são Diego Cavallieri (melhor goleiro do campeonato brasileiro) e Cássio (campeão da Libertadores e do Mundial de Clubes com defesas decisivas, porém ainda pouco experiente). 

Disposição tática da seleção de 2002.

Possíveis escolhas de Felipão para 2014, se mantiver desenho e conceitos aplicados 11 anos atrás.
          Felipão conta com boa qualidade individual, tanto no sistema defensivo quanto no ofensivo. Jogadores criativos que podem dar uma boa resposta. Porém, um problema recorrente em seus trabalhos merece atenção: a falta de compactação do time, principalmente nas ações ofensivas. A defesa fica muito recuada e os laterais não fecham pelo meio. Se David Luiz estiver compondo a última linha, o outro volante ficará praticamente sozinho cuidando de toda a intermediária defensiva. Enfrentar equipes que gostam de circular a bola no campo ofensivo pode gerar grandes problemas no sistema defensivo, parecido com o que o Santos sofreu contra o Barcelona no Mundial de 2011. Espanha e Alemanha são potenciais rivais de alto risco para o Brasil.

Falta de compactação: zagueiros muito recuados e laterais não fecham pelo meio. Reparem no espaço livre na intermediária defensiva, com Kleberson ainda retornando e Roberto Carlos nem aparece na foto. Um risco contra seleções que gostam de rodar a bola.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Categorias de Base: Formar ou Ganhar?

“Quero que olhem os jogadores com os olhos do São Paulo, dentro do Padrão São Paulo. Recebo mil telefonemas dizendo “tenho um volante sensacional, com 1,94m”. Pô, estou trabalhando com futebol, não com basquete, e a primeira coisa que dizem é que o cara é forte e alto à beça. E daí? O meu interesse é: tem talento? Para observar o jogador, preciso saber: Tem talento? Tem leitura de jogo? Mobilidade? É um cara que sabe jogar no coletivo ou vai dar trabalho porque é muito individual?”

Esse é um trecho de uma entrevista do René Simões para a Gazeta Esportiva quando assumiu as categorias de base do São Paulo, e expressava uma preocupação sobre o que acontece em quase todos os clubes na hora de formar e selecionar jogadores.


René Simões, ex-diretor de base do São Paulo: preocupação extremamente válida.
O processo de crescimento de um indivíduo não segue uma ordem cronologia, mas sim biológica. A maturação de cada um acontece em um momento. Por isso vemos garoto de 13 anos com barba, pelo nas axilas e 1,70m e garoto de 13 anos ainda com cara de criança e 1,50m. Essa maturação precoce ou tardia influencia no desempenho de cada garoto no esporte, já que as categorias são divididas por idade, assim, o primeiro exemplo leva ampla vantagem sobre o segundo, principalmente do ponto de vista físico.
A cobrança por vitórias e títulos faz com que as categorias de base dos clubes tenham preferência pelos atletas mais altos e fortes (maturação precoce) no momento de selecionar jogadores. O resultado em curto prazo é positivo.
A questão principal aqui é que com o passar dos anos, esses atletas vão perdendo essa vantagem, já que, mais cedo ou mais tarde, todos chegam à maturidade biológica, o que iguala a condição física dos jogadores. Não raro vemos jogadores que se destacam nas categorias de base justamente pela força física e não obtém o mesmo desempenho no profissional.
Por isso é fundamental trabalhar com capacidades não só físicas, como também táticas, cognitivas, técnicas e psicológicas desde a escolha do atleta até sua formação dentro do clube.
Temos como exemplos opostos o Palmeiras, que apesar de conquistar dezenas de títulos nas categorias de base tem uma grande dificuldade em formar jogadores que sejam aproveitados na equipe de cima, e a geração do Barcelona, que cresceu dentro de uma filosofia de trabalho que aborda todas as gamas acima citadas e conquistaram coisas grandiosas apesar da baixa estatura média do time.

Pequenos, porém talentosos: qualidade técnica e inteligência de jogo superaram forças físicas.

Não devemos aqui subestimar o valor de um título. Ele é fundamental e devemos sempre buscá-lo. O ponto aqui é discutir a forma como isso pode ser feito. Devemos lembrar que nas categorias de base estamos formando o jogador. Por vezes é válido percorrer um caminho um pouco mais longo, desde que isso signifique um trabalho melhor feito em cima de cada atleta no sentido de prepará-lo para o futebol profissional e para a vida adulta de forma geral.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A seleção de 70 e as semelhanças com a atual

        A seleção de 1970 é exaltada por muitos como a melhor seleção que o Brasil já teve. Realmente, contava com nomes como Pelé, Tostão, Rivellino, Gerson e outros, encaixados e bem treinados. O interessante é que essa é daquelas “verdades absolutas” repetidas por gente mais nova que nunca viu mais que dois ou três lances daquela Copa e de gente mais velha que tem apenas esses alguns lances na memória. Estimulado por um post do André Rocha (colunista da ESPN), fui atrás de analisar a forma de jogar dessa seleção e constatei: há muitas semelhanças com o que Mano Menezes tem tentado aplicar na seleção atual.
        Aquela seleção contava com três excelentes pontas-de-lança, e para encaixá-los Zagallo fez algumas adaptações: Rivellino foi jogar de ponta esquerda e Tostão ficou no que vou chamar de referência móvel.
        Este era apenas o desenho tático inicial, já que a grande movimentação e troca de posições entre os atletas tornava a equipe extremamente dinâmica e imprevisível. Tostão muitas vezes abria pela esquerda ou recuava para armar a jogada, abrindo espaço para as infiltrações de Pelé, Jairzinho e às vezes de Rivellino e até Carlos Alberto Torres e Clodoaldo. Aliada à intensa movimentação e infiltrações, uma arma muito efetiva eram os lançamentos de Gerson (arma que não é utilizada na seleção atual, cuja dupla de volantes é composta por carregadores de bola, que têm o costume de aparecer no ataque, mas não de realizar lançamentos). 

Na formação inicial: Tostão na referência fazendo o pivô para Rivellino na esquerda.

Tostão abrindo para a esquerda, gerando espaço para a infiltração do volante Clodoaldo.

Tostão recuando, abrindo espaço para a infiltração de Jairzinho.

Jairzinho (7), o ponta-direita, por vezes abria pela esquerda, abrindo um buraco no lado oposto. Detalhe: este lance é contra o Uruguai, mostrando como a movimentação não foi exclusiva e por acaso no gol do Carlos Alberto Torres contra a Itália. 

Arma mortal, que a seleção atual não conta: os lançamentos de Gerson.

Jairzinho se projetava no meio da área como autêntico centroavante. Não é a toa que ele foi o artilheiro da Copa, tendo feito gols em todos os jogos.
        Há pouco tempo realizei um post aqui no blog analisando as variações táticas experimentadas pelo Mano. Em todas elas, ele contava com um autêntico centroavante. Nos últimos amistosos, com a entrada de Kaka no lugar de Leandro Damião, Mano mudou a forma de jogar da equipe, deixando Hulk, Oscar e Kaka como trio de meias atrás de Neymar, que fazia a referência móvel.
        De maneira muito semelhante à de Tostão em 70, Neymar é a referência, mas não fica centralizado. Abre pelos lados (principalmente pela esquerda) ou recua, abrindo espaços para a ultrapassagem dos meias e dos volantes.
        A grande diferença, como dito acima, é a característica da dupla de volantes. Se Clodoaldo de certa forma se assemelha aos dois atuais, Gerson tinha uma forma de jogar bem diferente, cadenciando mais o jogo e realizando passes e lançamentos primorosos. 

Momento de marcação da seleção brasileira atual: praticamente um 4-2-4.

Neymar recuando para armar a jogada e abrir espaço para a infiltração dos meias.

Neymar abrindo pela esquerda para armar a jogada, abrindo espaço para a infiltração dos meias. Compare essas duas últimas fotos com a movimentação do Tostão. Mera coincidência?
        Não sei dizer se Mano Menezes estudou a seleção de 1970 e realmente se inspirou nela, mas as semelhanças estão aí. Talvez o caminho seja um pouco mais longo: Mano já afirmou se inspirar em Pep Guardiola, que disse ter aprendido muito com as seleções brasileiras de 1970 e dos anos 80.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Pela Mobilidade e Inteligência Tática!

             Quem acompanha o blog já deve ter percebido um padrão: a defesa da mobilidade e leitura de jogo por parte dos atletas, com o intuito de deixar a equipe mais imprevisível, qualificada e difícil de ser marcada. Nas diferentes postagens defendi que os volantes devem saber sair jogando, há possibilidade de jogar sem um centroavante fixo, com mais jogadores de qualidade técnica em detrimento dos “obedientes taticamente”.
            É mais cômodo e fácil para os treinadores fechar um posicionamento “quadrado” dos atletas. Eles se dispõem em campo da maneira que o treinador deseja, guardam a posição e executam funções pré-determinadas. Praticamente um tabuleiro de xadrez. O problema se dá no fato de que o futebol é um esporte dinâmico, com um adversário que estuda sua equipe e planeja estratégias para anular suas jogadas.
            Na minha concepção, esse é o principal motivo das quedas de rendimento na segunda metade do campeonato das equipes de Cuca e alguns outros treinadores. Ele monta um desenho legal, bem assimilado pelos atletas e dá resultado até que as outras equipes consigam entender e assim combater a maneira de jogar do time. No caso deste ano: saída de bola pelas laterais, Ronaldinho centralizado armando e a velocidade de Bernard pela esquerda (cortando para o meio) e Danilinho pela direita, com volantes mais combativos que pouco acrescentam ofensivamente. Alternativas poderiam ser trabalhadas, como um passe mais qualificado vindo de trás, aproximações e trocas de posição entre Ronaldinho, Bernard e Danilinho, mudanças de desenho tático durante a partida com um meia se aproximando mais de Jô ou vindo buscar o jogo...

Atlético-MG: obediência deixa time previsível (contra o Flamengo com Escudero no lugar de Bernard, suspenso, mas realizando exatamente a mesma função).

            Por outro lado, o maior feito de Gilson Kleina em pouquíssimo tempo de trabalho até o momento foi justamente a maior liberdade dada aos atletas em campo em relação ao Felipão, e os atletas têm se sentido bastante à vontade com essa liberdade. O trio de volantes troca posições constantemente, Valdivia ora compõe o meio de campo próximo aos volantes, ora abre do lado oposto ao Maikon Leite (que não tem lado definido, caindo ora pela direita ora pela esquerda) formando um 4-3-3... alternativas e dinâmica que se moldam de acordo com situação de jogo, equipe adversária, necessidades do momento, sempre através da leitura de jogo dos próprios atletas (principalmente Henrique e Marcos Assunção),  coordenados pelo treinador.


Formação inicial do Palmeiras: Henrique (amarelo) centralizado, Marcos Assunção (vermelho) pela esquerda e Marcio Araujo (azul) pela direita, com Valdivia com liberdade.

Quando Henrique (amarelo) avança, Marcos Assunção (vermelho) volta para ocupar  o espaço deixado por Henrique.

Em algum momento da partida: Marcio Araujo (azul) pela esquerda e Marcos Assunção (vermelho) centralizado. Troca constante de posições.

            Como dito acima, é fundamental que os atletas consigam perceber e entender as situações de jogo e buscar soluções por conta própria, e isso vale para todos os setores (defesa, meio e ataque). Ao técnico cabe o papel de coordenar isso, orientando, mas dando liberdade para seus atletas. Nada de ficar cantando cada lance, com se manuseasse robôs. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

É Possível Abdicar dos “Cães de Guarda”?

              Cada vez mais as grandes equipes e seleções, principalmente da Europa, têm buscado colocar em campo mais atletas com capacidade técnica de participar efetivamente de ações ofensivas da equipe. E isso implica, entre outros, ter volantes que saibam jogar com a bola nos pés.
            Aqui nesse espaço já foram destacadas algumas situações nesse sentido: o comportamento de Pirlo no Milan campeão da UCL 2006/07, no Juventus atual e na Itália na última Eurocopa; o comportamento dos volantes da seleção alemã na última Eurocopa (situação semelhante é observada no Real Madrid, porém de uma forma um pouco mais conservadora); os aspectos teóricos dos conceitos defensivos, em que na marcação por zona há uma divisão equilibrada de espaços ocupados e funções.
O comportamento de Pirlo nas equipes em que joga e da seleção alemã, com uma dupla de volantes com iguais funções defensivas e ofensivas. Dois dos exemplos já citados aqui no blog sobre a ausência de um "cão de guarda".
               Dentre as grandes equipes européias, quase não vejo casos da utilização no time considerado titular de um volante que tem como funções únicas a marcação e a cobertura defensiva. Algumas equipes contam com uma dupla de volantes que têm iguais responsabilidades defensivas e ofensivas (como por exemplo o Real Madrid e a seleção alemã, como destacado acima), e outras contam com um primeiro volante com qualidade no passe e certa liberdade para chegar à frente (como por exemplo Sergio Busquets no Barcelona e na seleção espanhola).
            Aqui no Brasil já é mais comum a escalação de um primeiro volante que tem basicamente apenas funções defensivas, e isso se deve principalmente ao comportamento dos laterais: enquanto na Europa os laterais ocupam quase o tempo inteiro a linha de defesa, raramente subindo para o campo ofensivo, no Brasil temos tradicionalmente laterais fortes no apoio, o que naturalmente deixa mais espaços no setor defensivo. Para compensar esse espaço deixado por laterais, os treinadores brasileiros optam por escalar um volante exclusivamente marcador, que tem como função principal realizar a cobertura desses laterais.
            Apesar dessa tradição, porém, cada vez mais equipes brasileiras também contam com volantes capacitados nas ações ofensivas. Das quatro equipes paulistas, apenas o Santos conta hoje com um volante mais marcador (Adriano), mas vale lembrar que o Santos campeão da Libertadores contou com Henrique na equipe titular. Com o excessivo número de lesões e algumas mudanças na equipe, não dá para saber se, com o time completo, Muricy ainda manteria Henrique como primeiro volante. Apesar de ser zagueiro, Henrique tem boa atuação no aspecto ofensivo no Palmeiras. Ralf, no Corinthians e Denílson, no São Paulo, têm bom passe e participam ativamente das ações ofensivas de suas equipes.
            Das três equipes melhores colocadas no campeonato brasileiro atualmente, duas usam um primeiro volante exclusivamente marcador (Edinho no Fluminense e Pierre no Atlético-MG), mas isso se deve principalmente, como dito acima à grande vocação ofensiva de seus laterais. Já o Grêmio conta com um primeiro volante com grandes qualidades tanto defensivas quanto ofensivas, o jovem Fernando, que joga como veterano.

Fernando, Denílson, Henrique e Ralf: exemplos de primeiros volantes que participam com qualidade das ações ofensivas de suas equipes.
            A opção por escalar um volante exclusivamente para funções defensivas é simplista: é mais fácil colocar alguém que faça essa cobertura que cobrar dos atletas (tantos laterais quanto volantes) consciência tática, leitura e percepção de ocupação de espaços (quando subir, quando voltar, aonde ir). As equipes brasileiras poderiam aproveitar tanto o poderio ofensivo de seus laterais quanto a qualidade técnica de seus volantes, a fim de ter em campo um maior número de jogadores tecnicamente qualificados. Tendo inserido neles a leitura de jogo e a percepção de que a participação ativa de todos tanto do ponto de vista ofensivo quanto do defensivo torna-se possível colocar os melhores em campo.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os erros e acertos da seleção de Mano


           A decepção com a medalha de prata conquistada nos Jogos Olímpicos gerou um turbilhão de críticas contra a seleção de futebol masculino, grande parte direcionada especificamente ao mesmo personagem de sempre: o técnico. Considero muito simplista reclamar de algumas opções básicas pessoais, principalmente porque cada um tem sua opinião própria: se eu convidar os leitores a montarem suas seleções, cada um montaria uma diferente. A análise de seu trabalho deve conter uma abrangência maior que “escalou fulano, não convocou sicrano, deixou fulano no banco”. 
            Mano Menezes encontrou algumas dificuldades na montagem do elenco que disputou os Jogos Olímpicos, dentre eles:
            - A lesão de Rafael, o único goleiro com idade olímpica que jogava como titular em um clube que luta por títulos, tendo na bagagem duas Libertadores como titular. Neto e Gabriel pecaram pela falta de experiência e falta de ritmo de jogo.
            - A falta de um jogador experiente com “cacife” real para chamar a responsabilidade para si e carregar o peso nos ombros do meio para frente. Kaka, Ronaldinho Gaúcho e Robinho, que seriam hoje esses jogadores, não conseguiram assumir esse status, cada um por um motivo.
            - A falta de zagueiros com idade olímpica com qualidade, rodagem e experiência. Assim como goleiro, zagueiro é uma posição em que tranqüilidade, rodagem e leitura de jogo são fundamentais para seu sucesso, aspectos que só se conquista com o tempo.
            Levando em consideração essas dificuldades, acredito que Mano não soube a melhor maneira de trabalhar com elas. Excetuando-se a fatalidade de Rafael (já que acredito que não temos hoje um goleiro experiente como foi Marcos ou Julio César no auge), a escolha dos três acima da idade poderia ser mais bem feita, utilizando como critérios posições carentes e potencial do atleta. As escolhas de Thiago Silva e Marcelo são perfeitamente aceitáveis: dois jogadores espetaculares e, no caso do Thiago Silva, uma posição carente. Porém, a escolha de Hulk foi questionável: ele não é um jogador acima da média (visão comprovada pelo fato de ter ido para o banco durante a competição), não era o jogador mais indicado para chamar a responsabilidade na frente (cargo que coube a Neymar) e nem atua em uma posição carente: deixou no banco Lucas, um jogador de qualidade e características semelhantes. Enquanto isso, a sistema defensivo sofria com um zagueiro e um goleiro inseguros. Valeria mais a pena levar um zagueiro de maior rodagem, que formasse uma dupla de respeito com Thiago Silva e desse mais tranqüilidade para o resto do time (e para a torcida).
           
            Deixando de lado as opções pessoais e os problemas encontrados, a seleção teve altos e baixos do ponto de vista tático. O aspecto mais interessante foi a procura por montar um esquema que favorecesse seus principais jogadores e desse liberdade para que eles se movimentassem pelo campo.
A questão é que essas movimentações e trocas de posições carecem de treino e de entrosamento, e isso não se conquista de um dia para o outro. Daí vem o maior pecado de Mano no trabalho da seleção até o momento: ele ainda não conseguiu definir uma forma de jogar para a equipe.
Na série de amistosos pré-Jogos Olímpicos, parecia que havia sido definida uma forma de jogar: no desenho 4-2-3-1, com constante troca de posição entre os 3 meias em torno de Leandro Damião, o centroavante de referência  para o pivô e, principalmente, para a finalização. Sem a bola, alternava entre a marcação por pressão e o recuo de suas linhas.


No 4-2-3-1, muitas variações na linha dos meias: nesse caso: Oscar (amarelo) pela direita, Neymar (azul) pelo meio e Hulk (vermelho) pela esquerda, sempre com Leandro Damião na referência.

Na mesma jogada da imagem acima: Neymar vai buscar o jogo, enquanto Hulk se projeta na diagonal: a liberdade concedida aos atletas gera uma grande variação de jogadas possíveis.

Outro momento no mesmo jogo: Hulk (vermelho) à direita, Oscar (amarelo) centralizado e Neymar (azul) pela esquerda. 

Na segunda partida, as trocas de posições permanecem: Hulk (vermelho) pela direita, Neymar (azul ) centralizado e Oscar (amarelo) na esquerda e na linha do Damião.

               Durante a competição, Mano sacou Hulk e escalou Alexsandro em seu lugar. Oscar ganhou liberdade para se movimentar pelo meio de campo e Neymar o mesmo pelo ataque. Rômulo e Alexsandro apareciam no ataque de forma alternada, com Sandro ficando mais plantado. Teoricamente, uma alteração mais defensiva, porém, com um dos volantes sempre avançava, a fragilidade defensiva se manteve.

Com Alexsandro no lugar de Hulk, a dinâmica muda um pouco: Oscar (amarelo) com grande liberdade, mas quase sempre atuando mais centralizado, Neymar (azul) também com liberdade, no ataque, e Rômulo (vermelho) alternando nos avanços com Alexsandro, como fica mais claro na imagem a seguir.


Oscar (amarelo) aproveita a liberdade para buscar o jogo, Neymar (azul) como atacante com liberdade, dando preferência ao lado esquerdo, ao qual está mais habituado, e Alexsandro (verde) agora avançando, enquanto Rômulo (vermelho) faz a cobertura defensiva.

            No amistoso após os Jogos Olímpicos, com o reforço de alguns atletas com mais de 23 anos, Mano alterou novamente o desenho tático da equipe: 4-4-2 com o meio de campo em linha. Rômulo e Paulinho formavam a dupla de volantes, Ramires executando o mesmo papel que executa no Chelsea, aberto pela direita, e Oscar aberto pela esquerda executando um papel semelhante ao de David Silva no Manchester City: composição da linha do meio pela esquerda sem a bola, e centralização para armar o jogo com a bola. Na frente, Neymar com liberdade para circular e Damião na referência.




No amistoso, uma nova mudança no desenho tático: Rômulo e Paulinho formando a dupla de volantes (azul), Ramires pela direita, como joga no Chelsea (vermelho) e Oscar (amarelo) compondo a linha do meio pela esquerda sem a bola e centralizando com a bola para armar o jogo.
           
              As três formações trabalhadas por Mano nesse curto período de tempo são interessantes e têm como elemento comum a mobilidade e troca de posições entre atletas (o que dificulta a marcação adversária) e a vontade de beneficiar as características de seus atletas. Porém é preocupante o fato de, em dois anos de trabalho, Mano ainda não ter definido uma maneira de jogar. Na seleção, com o grupo se reunindo esporadicamente, é pequeno o tempo de trabalho, por isso quanto antes ele definir uma linha, melhor para todos.
Qual desenho tático deverá ser usado por Mano? Todos têm uma dinâmica interessante,  o mais importante é que seja definido logo uma linha de trabalho já visando a Copa das Confederações do ano que vem e a Copa do Mundo de 2014.
          
                Apesar dos diversos problemas encontrados e do atraso em seu trabalho, sou a favor da permanência de Mano Menezes no comando da seleção. Primeiro porque acho que o trabalho dele tem alguns aspectos positivos, que podem e devem ser otimizados. Segundo porque considero inviável abortar um trabalho que, apesar do atraso, já está em andamento do que começar outro do zero a apenas dois anos da Copa. Terceiro porque não há hoje no Brasil nenhum treinador excepcional.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Os Erros do Brasil Feminino

         Ao soltar a convocação final da seleção brasileira, o técnico Jorge Barcellos afirmou que a preparação havia sido muito boa e que ganhar uma medalha estava nos planos da equipe. Realmente, uma seleção que tem tempo de preparação e que conta com talentos como Marta, Cristiane, Maurine, Formiga e Thais Guedes tem mais que sonhar com a medalha mesmo.
       Nas duas primeiras partidas, a seleção foi escalada no 3-5-2, com Renata Costa recuada fazendo a sobra na defesa e dando liberdade para Fabiana e Maurine, duas alas de recursos ofensivos. O meio de campo contava com três jogadoras “trabalhadoras”, e as jogadas eram construídas sempre na transição rápida, ou com as alas ou com as atacantes (duas das melhores jogadoras do mundo), em lançamentos da defesa ou passes em profundidade da Formiga. A bola não ficava no meio de campo, não havia viradas de jogo, valorização da posse de bola... muito pouco para um time com o plantel que tem.

Brasil no 3-5-2: meio de campo "trabalhador" e dependência das jogadas verticais das alas ou atacantes.
             O terceiro jogo é difícil de analisar devido ao fato de algumas jogadoras terem sido poupadas.
            Na partida contra o Japão, Jorge Barcellos mudou o esquema: com Rosana no lugar de Maurine (lesionada) e Thais Guedes no lugar de Ester, passou a jogar no 4-3-3, e a Renata Costa passou a atuar no meio de campo. Na teoria, esse esquema daria maior mobilidade e maior liberdade para as atacantes circularem pelo ataque e recuar pelo meio, valorizando assim a troca de passes e a posse de bola. Porém, excetuando-se uma ou duas tabelas isoladas, não foi o que se viu. O Brasil continuou travado, sem idéias e sem aproximações.
 Pior: sem sobra fixa, o sistema defensivo se viu inseguro e refém das transições ofensivas rápidas da equipe japonesa, como pôde ser visto nos dois gols sofridos: no primeiro Bruna não acompanha a adversária, que fica livre na cara do gol; e no segundo Érika fica no “mana-a-mana” com a adversária, que limpa e finaliza.


O Brasil no 4-3-3: na teoria maior liberdade e mobilidade. Na prática pouquíssimos ganhos ofensivos e insegurança defensiva.

Analisando a campanha da seleção, podemos apontar alguns problemas que foram encontrados:

-Falta de aproximação para tabelas, principalmente na zona de intermediária ofensiva, o que, além de limitar a posse de bola, leva o time a forçar muitas vezes a jogada com passes em profundidade ou cruzamentos na área em momentos não oportunos para isso.

-O Brasil teve nove escanteios a favor no primeiro tempo contra o Japão e nenhum nem sequer levou perigo de gol! Nos dois gols que haviam sido feito em jogada de bola parada na competição a goleira adversária falhou. Faltou maior efetividade. A cobradora levantar o braço e abaixar na hora da cobrança, sinceramente, não resolve nada. Precisa de mais que isso.

-Em muitos momentos as jogadoras “partiam para o individual” na ânsia de resolver o jogo. Não havia idéias e alternativas coletivas para reverter o placar desfavorável. Prova disso é que Barcellos fez sua primeira substituição faltando 10 minutos para acabar o jogo. Concordo que Maurine fez falta, mas faltou um banco mais confiável e em condições de trazer coisas novas para o campo.

-A defesa passou uma sensação de insegurança sem Renata Costa na sobra fixa. Ou essa situação foi pouco treinada antes da competição ou foi treinada e Barcellos já sabia dos riscos.


Jorge Barcellos comanda treino da seleção antes dos jogos. Bastante tempo de preparação e talentos individuais não foram suficientes para evitar a pior campanha do futebol feminino nos JOs.
          De modo geral, para uma seleção que se dizia bem preparada não foi uma boa atuação coletiva. Uma preparação bem feita (como anunciado) teria amenizado muito dos erros aqui apontados. E isso acabou estourando no desempenho individual das atletas. Sim, Marta esteve apagada e não desequilibrou em nenhum momento, mas, como eu já disse em um post anterior ao me referir ao Cristiano Ronaldo, a equipe deve dar condições para que sua estrela brilhe, e não jogar na esperança de que isso ocorra. O craque precisa do time assim como o time precisa do craque


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Balanço da Eurocopa: vitória da mobilidade

         Em uma competição sem grandes zebras, chegaram mais longe as seleções que se propuseram a jogar bola. O presente texto vai abordar de forma breve o estilo de jogo de cada uma das quatro primeiras colocadas, procurando entender o que as levou a obter o êxito.

A seleção espanhola confirmou seu favoritismo e conquistou o título pela segunda vez consecutiva (com uma Copa do Mundo entre elas). Vicente del Bosque apostou em uma equipe sem centroavante de ofício, escalando Fábregas como “falso 9” na maioria das partidas.
Sem uma referência na frente, a equipe troca passes em busca de espaços e infiltrações pela diagonal de qualquer atleta da equipe, surpreendendo assim a equipe adversária. Jordi Alba foi um dos destaques da equipe executando o papel que Dani Alves executa no Barcelona, porém pela esquerda: ultrapassagem em velocidade pela lateral, “quebrando” o ritmo dos passes.
Na imagem abaixo é possível ver uma inversão de papel entre Fábregas e David Silva no lance que originou o primeiro gol da final (o que ocorreu diversas vezes durante a competição): Fábregas abre na direita e faz uma infiltração entre o lateral e o zagueiro para receber o passe em profundidade, enquanto David Silva atua na referência. Esse mecanismo foi discutido no post “Jogar sem Centroavante”.
Com a vantagem no placar, normalmente Vicente del Bosque colocava Fernando Torres e Pedro em campo, dois jogadores mais agudos, que jogam de maneira mais vertical, em direção ao gol. Com isso, ele se propunha a aproveitar os espaços deixados pela equipe adversária (que buscava o empate) em transições ofensivas rápidas ou contra-ataques, com o intuito de matar o jogo.

Troca de funções: Fábregas (círculo amarelo). o "centroavante" do time abre e faz a infiltração diagonal, enquanto David Silva, meia, fica na referência e abre o placar na final contra a Itália.

Um dos destaques da Espanha na Eurocopa: Jordi Alba realizando ultrapassagens em velocidade, "quebrando" o ritmo da equipe e gerando situações de gol (na imagem: o segundo gol contra a Itália na final).
Segunda colocada, a seleção italiana superou os escândalos políticos, os problemas de Balotelli, a desconfiança de torcedores e imprensa e o pouco tempo de trabalho de Cesar Prandelli e conseguiu mostrar um bom futebol (sem a tão rotulada retranca).
Nos dois primeiros jogos, a Italia atuou no 3-5-2, com De Rossi atuando como zagueiro. Á partir da terceira partida, De Rossi voltou pra sua posição original (meio de campo), formando um 4-4-2 com o meio em losango: Pirlo ficava na base, De Rossi e Marchisio nos lados e Montolivo no vértice mais avançado.
Assim como no Juventus campeão italiano desse ano, Pirlo atuava na base nas ações defensivas e qualificando a saída de bola, e avançava à frente dos ouros meias nas ações ofensivas, ações que foram discutidas aqui no post “Uma Maneira Diferente de Ordenar os Volantes”.

Pirlo atuando na base na marcação e na sáida de bola e participando ativamente das ações ofensivas (mecanismo discutido no post "Uma Maneira Diferente de Ordenar os Volantes").

Dentre as quatro primeiras colocadas, Portugal era a única que tinha uma postura tática mais fixa, apostando no jogo mais verticalizado e menos em posse de bola. Diferentemente de muitos times que jogam esperando o craque fazer a diferença, Portugal jogava para que o craque fizesse a diferença. Nani compunha o meio pela direita, em balanço defensivo que permitia a Cristiano Ronaldo não se preocupar muito com a marcação. Com a bola, as jogadas eram verticais e normalmente pelos lados do campo. Ora com Coentrão e Ronaldo pela esquerda e, principalmente, com Nani, João Moutinho e João Pereira pela direita, buscando o passe em diagonal para a infiltração de Ronaldo. Grande parte das jogadas perigosas de Portugal saíram dessa maneira (como pode ser visto na imagem abaixo).


Principal jogada de Portugal: situação de ataque armada pelo lado direito e passe para infiltração diagonal de Cristiano Ronaldo pelo lado oposto.

A Alemanha foi eliminada nas semifinais, mas foi a seleção que apresentou o futebol que mais empolgou público e imprensa (seu pior jogo foi justamente o da semi). Com um futebol envolvente, valorização da posse de bola e postura bastante ofensiva em campo, condições que só são conseguidas com eficiência se a organização e a filosofia estiverem bem assimiladas por toda a equipe.
O maior triunfo da equipe é ao mesmo tempo seu maior risco: uma equipe em que todos jogam. Tanto Sschweinsteiger quanto Khedira, os dois volantes, saem para o jogo (como pode ser visto na imagem abaixo). Não há um primeiro volante marcador, pronto para fazer coberturas e matar contra-ataques.
Ao mesmo tempo que envolve e sufoca, deixa espaços para contra-ataques, transições ofensivas e bolas longas. Para que esse risco seja diminuído, é necessário que os zagueiros estejam sempre atentos e não hesitem (o que foi visível no segundo gol da Itália: bola longa para Balotelli, Lahm tentou fazer linha de impedimento, mas demorou, deixando Balotelli em condição legal e sozinho).  

Khedira (amarelo) e Schweinsteiger (azul): os dois volantes da Alemanha participam efetivamente das ações ofensivas. Reparem como há sete jogadores alemães ocupando o último quarto do campo.

O risco que a Alemanha corre: bola longa nas costas da defesa. A indecisão de Lahm permitiu que Balotelli ficasse livre e em condição legal para marcar o segundo gol na semi.

O balanço final é: o futebol agradece. É possível chegar longe com futebol jogado, mobilidade, trocas de posições e trocas de passe. Muito do que foi observado já tinha sido abordado nesse espaço. A única das que chegaram longe e tem uma proposta diferente é Portugal, mas isso se deve ás características de seus jogadores (principalmente do seu craque- com a ressalva importantíssima que é válido jogar para que o craque brilhe, e não esperando que seu craque brilhe). 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Lições do Basquete: O Sistema de Triângulos

            Quem vive um pouco no mundo do esporte não precisa ser grande fã de basquete para ao menos ter ouvido falar do Chicago Bulls do Michael Jordan ou do L.A Lakers do Kobe Bryant e Shaquille O´Neal. Em comum entre essas equipes o treinador: Phill Jackson. Muitos dizem que é fácil ser campeão tendo os atletas que tinha em mãos, porém Jackson teve o mérito de implementar um conceito de jogo que potencializa as virtudes de seus atletas: o Sistema de Triângulos (ST).


Phill Jackson com Kobe Bryant e com Michael Jordan: grande sucesso na utilização do Sistema de Triângulos




               A abordagem do presente texto irá focar nos parâmetros conceituais que geram o ST, deixando de lado sua aplicação mais prática, pois além de ser mais complexa é até certo ponto específica do basquete e necessita de algumas adaptações para ser utilizada no futebol.
            O ST se baseia em alguns princípios, os quais devem ser entendidos e efetuados por todos os atletas da equipe. São eles:
           
            *Evitar o drible: o drible excessivo atrasa a equipe e facilita a recomposição do adversário. O drible pode ser efetuado e deve ser estimulado, desde que seja com um objetivo bem definido. O ideal é que a equipe toque a bola até encontrar uma situação de 1x1 sem cobertura, quando o drible torna-se uma arma útil.

            *Passar a bola para o jogador mais livre: na teoria parece simples, porém na prática isso depende da participação de todos os atletas em campo. A equipe não procura a todo momento o craque do time, nem exclui nenhum jogador de suas ações ofensivas. Isso obriga a defesa adversária a segmentar sua atenção a todos os atacantes, dificultando assim as dobras de marcação e as coberturas.

            *Ao receber, olhar para o gol: sempre que o atleta tem a bola, ele deve representar uma ameaça ao adversário, então deve estar sempre de frente ao gol. Quando recebe a bola de costas ou de lado para o gol, o atleta representa menos perigo, facilitando assim a marcação do adversário.

            *Jogar sem bola: fundamental para o sucesso do ST: o atleta que tem a bola deve ter o maior número de opções de jogadas, para assim tomar a melhor decisão e também dificultar a marcação adversária. Para que isso seja possível, todos os atletas sem bola devem se movimentar e se posicionar em condições de receber a bola, dando opções e também abrindo espaços. É importante que o espaço entre os jogadores mais ofensivos seja relativamente grande, o que aumenta a área operacional para o jogador que tem a bola (permite infiltrações e aproveitamento de espaços vazios).
           
            *Ler a defesa e jogar com ela: detalhe importante para o jogar com ela ao invés de contra ela, ou seja, os atacantes devem usar as ações defensivas realizadas pelo adversário como uma arma para suas próprias ações. Por exemplo: se o marcador mais alto está marcando o centroavante e pronto para cortar cruzamentos, o centroavante pode sair da área para receber a bola ou abrir espaço para a infiltração de outro atacante. Qualquer que seja a ação, os atletas devem estar atentos às ações e movimentações não só de seus companheiros como também de seus adversários, podendo com isso escolher a ação que melhor funciona contra aquele adversário naquele momento.
           
            *Criatividade e intuição: dei-me a liberdade de colocar este princípio em último, pois ao meu entender, ele engloba de certa forma todos os outros citados anteriormente. Reparem que nenhum princípio propõe ações pré-determinadas; muito pelo contrário, sugere que todos os atletas da equipe estejam sempre atentos ao que acontece ao seu redor (companheiros, adversários, bola, espaços) para, utilizando-se da criatividade e da intuição, tomar a melhor decisão. Importantíssimo diferenciar criatividade e intuição de improviso (“jeitinho”). O objetivo maior é estruturar e potencializar a utilização da criatividade do atleta em prol do time, sem prendê-lo demais e também sem deixá-lo fazer o que bem entender.

            Para que a execução do ST seja bem-feita, é necessária a participação efetiva de todos os atletas em campo, ou seja, todos devem entender os princípios que norteiam o ST e estarem dispostos a sacrificar o individual pelo coletivo, além de ter pleno domínio dos fundamentos técnicos.
            O ST é chamado também de ataque dos três pivôs, pois a idéia é que todos os atletas componentes do triângulo ofensivo passem em algum momento pela posição do pivô (troca constante de posição, variabilidade de opções e ações ofensivas).
            O grande problema do ST é que, por ser algo diferente, enfrentaria grande resistência por parte dos atletas e de dirigentes despreparados, mais preocupados com resultados imediatos que com o desenvolvimento a longo prazo. Cabe ao treinador convencer sobre a efetividade dessa metodologia, e cabe principalmente aos clubes profissionalizar sua gestão. Infelizmente estamos léguas atrás de europeus e até mesmo de alguns “hermanos” do ponto de vista da gestão dos clubes.
         Gostaria de agradecer ao Prof. Dr. Alexandre Moreira (professor de Basquete na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo) por gentilmente me fornecer o material base deste post.

Fonte: Marcel de Souza (técnico de Basquete)- Comentários Sobre o Sistema de Triângulos.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Futsal na Formação do Jogador de Futebol

      É comum vermos o surgimento de grandes jogadores de futebol que antes passaram pelo futsal. Normalmente jogadores habilidosos, como Robinho, Neymar e Ronaldo, entre outros, cujos dribles curtos são creditados a esse passado.
Ronaldo, Neymar e Robinho tiveram passagem no futsal na sua formação.


          Por ser uma modalidade de quadra, com espaço reduzido (800 metros quadrados em média, contra 7000 do campo, um pouco mais de 10%) e menos de metade dos atletas no jogo (10 contra 22), a participação efetiva de cada atleta se dá a todo o momento do jogo, com ou sem bola, o que gera diversos ganhos que podem ser aproveitados na prática do futebol de campo:

- Atenção no jogo inteiro. Sempre se apresentar pra receber a bola, e ajudar na marcação assim que a bola for perdida. Não há espaço de tempo para o descanso ou o lamento.

- Formação do jogador completo: como ele sempre participa de todas as ações, tanto defensivas quanto ofensivas da equipe, ele deve ter domínio de todos os fundamentos. Não é possível colocar alguém atrás só rebatendo bola ou na frente só pra fazer o gol.

- Raciocínio rápido. O jogo é mais corrido, sendo a distância entre os gols e entre os atletas bem menor, logo, não dá tempo de dominar, levantar a cabeça e ficar pensando no que fazer sem ser acossado por um marcador, por exemplo.

- “Se virar” em espaços pequenos. Saber usar o corpo, pensar rápido, dar dribles curtos.

            Essas são algumas das vantagens que o atleta pode tirar da vivência no futsal, porém é importante ressaltar que o futsal e o futebol são duas modalidades diferentes, e, portanto um bom desempenho no futsal não garante um bom desempenho no futebol. Dentre as diferenças temos: tamanho e peso da bola, tempo de bola, fundamentos técnicos (domínio, passe, chute, lançamentos), espaço de jogo e a demanda fisiológica. Falcão é o maior exemplo de atleta exemplar no futsal que não deu certo no futebol.


Falcão é o maior exemplo de atleta bem sucedido no futsal que não deu certo no futebol.

             Para que o jogador possa se dar bem no futebol e aproveitar as vantagens do futsal citadas acima, o ideal é que ele tenha vivência nas duas modalidades. Inclusive, uma metodologia de treino que é hoje bastante difundida, principalmente na Europa, é o treino em espaço reduzido, que tem justamente a proposta de gerar os ganhos citados acima.


sábado, 5 de maio de 2012

Jogar Sem Centroavante

            Praticamente todas as equipes do mundo hoje jogam com um centroavante, aquele homem de referência que fica posicionado perto do gol e tem como função principal (quando não única) empurrar a bola para as redes. O seu posicionamento mais fixo e a pouca mobilidade pelo campo, porém, muitas vezes faz do centroavante uma referência para os zagueiros, tornando-o fácil de ser marcado, e as jogadas previsíveis.
            Uma idéia interessante, porém pouquíssimo utilizada seria escalar um time sem o tal do 9. Os atletas poderiam, mais de um da equipe, projetar-se para o meio da área dependendo da dinâmica do jogo. Isso torna o time mais imprevisível e difícil de ser marcado. Porém, para que isso seja possível, é necessário entrosamento, entendimento da proposta e leitura de jogo por parte dos atletas. E é aí que entro na mesma tecla que sempre bato: é fundamental, para que tal estratégia seja eficaz, que os atletas consigam pensar o jogo e perceber as situações, a fim de ocupar os espaços vazios e se projetar no lugar certo no momento ideal.
            Para exemplificar o dito acima, algumas imagens de jogos de duas equipes que são talvez as mais dinâmicas do futebol hoje: o Barcelona e o Manchester City. 
             No caso do Barcelona, Messi atua como “falso 9”: teoricamente o centroavante do time, porém ele costuma abrir pelos lados ou recuar para participar do jogo na intermediária abrindo espaço para infiltrações (ás vezes dele mesmo) pela diagonal ou pelo meio.

Reparem como não há ninguém na "referência" (círculo amarelo), e a infiltração é feita pela diagonal, aproveitando o espaço nas costas da defesa adversária (em azul).

Nesse caso, Messi se projeta para o meio da área como um autêntico centroavante, atraindo a marcação e abrindo espaço nas suas costas para a chegada do meia (espaço em amarelo).

Em muitos momentos da partida, Messi (círculo amarelo) recua, abrindo espaço para a infiltração dos meias (no caso, Fábregas- círculo azul)

Novamente não há nenhum jogador na referência. Enquanto os dois zagueiros centrais não marcam ninguém, Messi (círculo amarelo) se projeta diagonalmente a partir da ponta esquerda pelas costas dos zagueiros centrais.

Quinta situação diferente no mesmo jogo: Messi carrega a bola a partir da intermediária como um meia (amarelo), três zagueiros ocupando uma zona sem atacantes (círculo amarelo maior) e dois atletas (no caso, Daniel Alves e Thiago) se comportam como atacantes pelas laterais se projetando diagonalmente.

            No caso do Manchester City, muitas vezes Roberto Mancini utiliza-se de dois atacantes, porém sem a divisão tradicional entre segundo atacante e centroavante. Ambos executam as duas funções, tudo de acordo com as situações do jogo.
Nessa figura, o posicionamento dos dois atacantes do Manchester City, aproximadamente na mesma distância do centro do gol. Reparem que a jogada transcorre pela esquerda e o que acontece na sequência.

Na continuação da jogada: Balotelli (círculo azul) recua, abrindo espaço para a infiltração em diagonal de Aguero e também dando opção de passe para trás.

Nessa jogada, Balotelli (círculo amarelo) e Aguero (círculo azul) estavam em lados invertidos em relação à vista acima. Reparem como Balotelli  se projeta no espaço vazio para receber a bola na região normalmente ocupada pelo centroavante, enquanto Aguero mantém-se no seu lado.

Na sequência da jogada há uma inversão de funções: Balotelli recua, criando espaço para a infiltração diagonal de Aguero, que agora se comporta como centroavante.


            Como sempre, vale ressaltar que as propostas feitas aqui não são regras, nem soluções de todos os problemas. O próprio Barcelona sentiu falta na eliminação da UCL de um centroavante que fizesse parede para as infiltrações ou disputasse bolas pelo alto, já que os passes e ultrapassagens não estavam sendo efetivos para furar a retranca imposta pelo Chelsea.
            A idéia principal da proposta é mostrar como uma equipe não precisa virar refém do centroavante, sendo possível trabalhar alternativas que podem ser altamente efetivas. Acredito, inclusive, que quanto maior a dinâmica da equipe, se bem trabalhada e bem assimilada, traz como principal benefício o fator surpresa, dificultando as ações do sistema defensivo adversário.