O blog Conceitos Táticos, como o próprio nome entrega, visa abordar os conceitos táticos no mundo do futebol. Meu objetivo é analisar, provocar, fazer pensar, discutir e tirar dúvidas sobre o assunto. Estou sempre aberto a opiniões, sugestões, críticas, perguntas, discordâncias e etc.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Balanço da Eurocopa: vitória da mobilidade

         Em uma competição sem grandes zebras, chegaram mais longe as seleções que se propuseram a jogar bola. O presente texto vai abordar de forma breve o estilo de jogo de cada uma das quatro primeiras colocadas, procurando entender o que as levou a obter o êxito.

A seleção espanhola confirmou seu favoritismo e conquistou o título pela segunda vez consecutiva (com uma Copa do Mundo entre elas). Vicente del Bosque apostou em uma equipe sem centroavante de ofício, escalando Fábregas como “falso 9” na maioria das partidas.
Sem uma referência na frente, a equipe troca passes em busca de espaços e infiltrações pela diagonal de qualquer atleta da equipe, surpreendendo assim a equipe adversária. Jordi Alba foi um dos destaques da equipe executando o papel que Dani Alves executa no Barcelona, porém pela esquerda: ultrapassagem em velocidade pela lateral, “quebrando” o ritmo dos passes.
Na imagem abaixo é possível ver uma inversão de papel entre Fábregas e David Silva no lance que originou o primeiro gol da final (o que ocorreu diversas vezes durante a competição): Fábregas abre na direita e faz uma infiltração entre o lateral e o zagueiro para receber o passe em profundidade, enquanto David Silva atua na referência. Esse mecanismo foi discutido no post “Jogar sem Centroavante”.
Com a vantagem no placar, normalmente Vicente del Bosque colocava Fernando Torres e Pedro em campo, dois jogadores mais agudos, que jogam de maneira mais vertical, em direção ao gol. Com isso, ele se propunha a aproveitar os espaços deixados pela equipe adversária (que buscava o empate) em transições ofensivas rápidas ou contra-ataques, com o intuito de matar o jogo.

Troca de funções: Fábregas (círculo amarelo). o "centroavante" do time abre e faz a infiltração diagonal, enquanto David Silva, meia, fica na referência e abre o placar na final contra a Itália.

Um dos destaques da Espanha na Eurocopa: Jordi Alba realizando ultrapassagens em velocidade, "quebrando" o ritmo da equipe e gerando situações de gol (na imagem: o segundo gol contra a Itália na final).
Segunda colocada, a seleção italiana superou os escândalos políticos, os problemas de Balotelli, a desconfiança de torcedores e imprensa e o pouco tempo de trabalho de Cesar Prandelli e conseguiu mostrar um bom futebol (sem a tão rotulada retranca).
Nos dois primeiros jogos, a Italia atuou no 3-5-2, com De Rossi atuando como zagueiro. Á partir da terceira partida, De Rossi voltou pra sua posição original (meio de campo), formando um 4-4-2 com o meio em losango: Pirlo ficava na base, De Rossi e Marchisio nos lados e Montolivo no vértice mais avançado.
Assim como no Juventus campeão italiano desse ano, Pirlo atuava na base nas ações defensivas e qualificando a saída de bola, e avançava à frente dos ouros meias nas ações ofensivas, ações que foram discutidas aqui no post “Uma Maneira Diferente de Ordenar os Volantes”.

Pirlo atuando na base na marcação e na sáida de bola e participando ativamente das ações ofensivas (mecanismo discutido no post "Uma Maneira Diferente de Ordenar os Volantes").

Dentre as quatro primeiras colocadas, Portugal era a única que tinha uma postura tática mais fixa, apostando no jogo mais verticalizado e menos em posse de bola. Diferentemente de muitos times que jogam esperando o craque fazer a diferença, Portugal jogava para que o craque fizesse a diferença. Nani compunha o meio pela direita, em balanço defensivo que permitia a Cristiano Ronaldo não se preocupar muito com a marcação. Com a bola, as jogadas eram verticais e normalmente pelos lados do campo. Ora com Coentrão e Ronaldo pela esquerda e, principalmente, com Nani, João Moutinho e João Pereira pela direita, buscando o passe em diagonal para a infiltração de Ronaldo. Grande parte das jogadas perigosas de Portugal saíram dessa maneira (como pode ser visto na imagem abaixo).


Principal jogada de Portugal: situação de ataque armada pelo lado direito e passe para infiltração diagonal de Cristiano Ronaldo pelo lado oposto.

A Alemanha foi eliminada nas semifinais, mas foi a seleção que apresentou o futebol que mais empolgou público e imprensa (seu pior jogo foi justamente o da semi). Com um futebol envolvente, valorização da posse de bola e postura bastante ofensiva em campo, condições que só são conseguidas com eficiência se a organização e a filosofia estiverem bem assimiladas por toda a equipe.
O maior triunfo da equipe é ao mesmo tempo seu maior risco: uma equipe em que todos jogam. Tanto Sschweinsteiger quanto Khedira, os dois volantes, saem para o jogo (como pode ser visto na imagem abaixo). Não há um primeiro volante marcador, pronto para fazer coberturas e matar contra-ataques.
Ao mesmo tempo que envolve e sufoca, deixa espaços para contra-ataques, transições ofensivas e bolas longas. Para que esse risco seja diminuído, é necessário que os zagueiros estejam sempre atentos e não hesitem (o que foi visível no segundo gol da Itália: bola longa para Balotelli, Lahm tentou fazer linha de impedimento, mas demorou, deixando Balotelli em condição legal e sozinho).  

Khedira (amarelo) e Schweinsteiger (azul): os dois volantes da Alemanha participam efetivamente das ações ofensivas. Reparem como há sete jogadores alemães ocupando o último quarto do campo.

O risco que a Alemanha corre: bola longa nas costas da defesa. A indecisão de Lahm permitiu que Balotelli ficasse livre e em condição legal para marcar o segundo gol na semi.

O balanço final é: o futebol agradece. É possível chegar longe com futebol jogado, mobilidade, trocas de posições e trocas de passe. Muito do que foi observado já tinha sido abordado nesse espaço. A única das que chegaram longe e tem uma proposta diferente é Portugal, mas isso se deve ás características de seus jogadores (principalmente do seu craque- com a ressalva importantíssima que é válido jogar para que o craque brilhe, e não esperando que seu craque brilhe).