O blog Conceitos Táticos, como o próprio nome entrega, visa abordar os conceitos táticos no mundo do futebol. Meu objetivo é analisar, provocar, fazer pensar, discutir e tirar dúvidas sobre o assunto. Estou sempre aberto a opiniões, sugestões, críticas, perguntas, discordâncias e etc.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

As funções dos laterais: um mergulho através das copas.

          Assim como em todas as outras posições, as funções do lateral foram sofrendo ajustes ao longo dos anos, de acordo com mudanças táticas promovidas pelos treinadores.
      Até o fim dos anos 1960 os laterais quase não subiam ao ataque.  Se tanto, chegavam até a intermediária ofensiva, de onde passavam a bola para um meia ou ponta e não subiam mais. Eram basicamente zagueiros pelos lados, compondo uma clara linha de quatro, praticamente imutável durante o jogo.

O ponta Zagallo cobrando lateral próximo a linha de fundo na copa de 1958. Laterais subiam no máximo até a intermediária ofensiva.
         Na copa de 1970, os jogadores conversavam muito entre si, discutindo posições, movimentações e estratégias de jogo, á revelia do técnico Zagallo. Eram atletas inteligentes e que sabiam enxergar e discutir o jogo.
      Tendo em vista o vigor físico de Carlos Alberto Torres e sabendo que os pontas das equipes adversárias não tinham o costume de acompanhar as subidas do lateral (afinal, o lateral ainda pouco subia na época), uma das jogadas combinadas era que Jairizinho buscasse o centro ou até o outro lado do campo, abrindo assim um corredor para a infiltração de Torres. Dentre outras jogadas, saiu assim o último gol da final contra a Itália. Desde então, os laterais começaram, ainda que timidamente a ganhar funções ofensivas, deixando de ser zagueiros pelos lados.

Carlos Alberto Torres sobe para fazer gol sobre a Itália na final da Copa do Mundo de 1970.
         Em 1982, uma seleção espetacular, com jogadores altamente técnicos e que trocavam constantemente de posição. Como contava com muitos meias de qualidade (Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico), Telê Santana abriu mão de um ponta, deixando apenas Éder de ponta esquerda e a ponta direita “vazia”, gerando um revezamento de atletas que ocupavam o setor: Falcão, Sócrates e o lateral direito Leandro. Do outro lado, como Éder ficava na ponta, Junior subia por dentro, armando o time juntos aos meias e aparecendo para passar/finalizar (fato que era facilitado por ser destro). Estranhando o desenho tático, criou-se um mantra, exemplificado por um bordão de Jô Soares: “Coloca ponta, Telê!”. O futebol bonito e envolvente ficou na memória, porém a eliminação antes da final embasou o argumento de quem defendia o uso dos pontas.

Júnior subia por dentro, participando ativamente da construção de jogadas ofensivas ao lado dos meias, em 1982.

Na ausência de um ponta direita, Leandro subia até o fundo, revezando-se com Falcão e Sócrates.
        Desde então, tornou-se comum o uso de quatro meias, e os pontas foram se extinguindo. Sendo assim, os responsáveis pela amplitude e profundidade do jogo passaram a ser os laterais, que começaram a subir com maior frequência. Os dois maiores símbolos dessa geração são Roberto Carlos e Cafu. Com vigor físico para chegar á linha de fundo, realizar cruzamentos e ainda voltar para compor a linha defensiva, tornaram-se um parâmetro muito difícil de atingir.

Cafu era figura carimbada no ataque na Copa de 1998. Repare que ele está á frente até do centroavante Ronaldo.
Enquanto Cafu nem aparece na foto, Roberto Carlos faz a cobertura por dentro, posicionando-se praticamente como terceiro zagueiro.
Roberto Carlos também era figura constante nas ações ofensivas da seleção de 1998. Repare que, assim como Cafu, ele também se apresenta á frente do centroavante Ronaldo.
 Começaram a surgir cada vez mais laterais bons no apoio, porém com dificuldades defensivas. A fim de compensar isso, os treinadores passaram a se usar de volantes estritamente marcadores e de terceiros zagueiros. Com isso, permitia-se aos dois laterais subirem simultaneamente e realizar a saída de bola sem se preocupar tanto com obrigações defensivas.
 Na Copa de 2002, Edmilson era o volante/zagueiro, que se posicionava de acordo com o número de atacantes do adversário e dava liberdade para Cafu e Roberto Carlos (ambos sem o vigor físico de outrora) apoiarem o ataque.

O volante/zagueiro Edmilson dava liberdade para que Cafu e Roberto Carlos subissem simultaneamente ao ataque em 2002.
Ultimamente, com laterais bem marcados na saída de bola e volantes com poucos recursos para realizar a função, o uso de três zagueiros saiu de moda, dando lugar a esquemas com volantes de passe qualificado e meias abertos (praticamente os pontas de antigamente). Com isso, os laterais voltaram a ter maiores obrigações defensivas. Os principais times do mundo hoje jogam com uma linha defensiva de quatro jogadores, sendo que ou os laterais apoiam alternadamente (como era no Brasil de 1998), ou o time conta com um lateral-base, que fica basicamente como terceiro zagueiro e um lateral com maior qualidade para atacar. Inclusive é comum improvisar zagueiros na lateral.
 Dentre os exemplos de equipes atuais ou recentes que utilizam um lateral-base e outro mais apoiador temos: o Barcelona de Guardiola (com Abidal mais fixo e Dani Alves com liberdade) e o Atlétco_MG atual campeão da Libertadores (com Junior Cesar- ou Richarlyson- mais fixo e Marcos Rocha com maior liberdade). Na última Copa, a seleção espanhola pouco subia seus laterais, e quando subia normalmente era o Sergio Ramos pela direita. No lado oposto, Capdevilla segurava mais como terceiro zagueiro. No Brasil atual, Dani Alves e Marcelo revezam-se no apoio, compondo a última linha defensiva quando necessário.

Na seleção espanhola campeã do mundo de 2010, Sergio Ramos era o lateral apoiador, enquanto Capdevilla era o lateral-base do lado oposto.

É evidente que não existem regras quanto á formações, estratégias ou desenhos táticos utilizados em cada época. Em todas as épocas temos times ou seleções que jogavam de maneira diferente da tendência. O Blog se apoia justamente nisso, na tendência de cada época para suas conclusões. E não existe uma maneira pior ou melhor de se jogar. Isso depende de uma série de fatores, como atletas disponíveis, preparo físico, filosofia do treinador, objetivos do jogo, entre muitos outros.