O blog Conceitos Táticos, como o próprio nome entrega, visa abordar os conceitos táticos no mundo do futebol. Meu objetivo é analisar, provocar, fazer pensar, discutir e tirar dúvidas sobre o assunto. Estou sempre aberto a opiniões, sugestões, críticas, perguntas, discordâncias e etc.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os erros e acertos da seleção de Mano


           A decepção com a medalha de prata conquistada nos Jogos Olímpicos gerou um turbilhão de críticas contra a seleção de futebol masculino, grande parte direcionada especificamente ao mesmo personagem de sempre: o técnico. Considero muito simplista reclamar de algumas opções básicas pessoais, principalmente porque cada um tem sua opinião própria: se eu convidar os leitores a montarem suas seleções, cada um montaria uma diferente. A análise de seu trabalho deve conter uma abrangência maior que “escalou fulano, não convocou sicrano, deixou fulano no banco”. 
            Mano Menezes encontrou algumas dificuldades na montagem do elenco que disputou os Jogos Olímpicos, dentre eles:
            - A lesão de Rafael, o único goleiro com idade olímpica que jogava como titular em um clube que luta por títulos, tendo na bagagem duas Libertadores como titular. Neto e Gabriel pecaram pela falta de experiência e falta de ritmo de jogo.
            - A falta de um jogador experiente com “cacife” real para chamar a responsabilidade para si e carregar o peso nos ombros do meio para frente. Kaka, Ronaldinho Gaúcho e Robinho, que seriam hoje esses jogadores, não conseguiram assumir esse status, cada um por um motivo.
            - A falta de zagueiros com idade olímpica com qualidade, rodagem e experiência. Assim como goleiro, zagueiro é uma posição em que tranqüilidade, rodagem e leitura de jogo são fundamentais para seu sucesso, aspectos que só se conquista com o tempo.
            Levando em consideração essas dificuldades, acredito que Mano não soube a melhor maneira de trabalhar com elas. Excetuando-se a fatalidade de Rafael (já que acredito que não temos hoje um goleiro experiente como foi Marcos ou Julio César no auge), a escolha dos três acima da idade poderia ser mais bem feita, utilizando como critérios posições carentes e potencial do atleta. As escolhas de Thiago Silva e Marcelo são perfeitamente aceitáveis: dois jogadores espetaculares e, no caso do Thiago Silva, uma posição carente. Porém, a escolha de Hulk foi questionável: ele não é um jogador acima da média (visão comprovada pelo fato de ter ido para o banco durante a competição), não era o jogador mais indicado para chamar a responsabilidade na frente (cargo que coube a Neymar) e nem atua em uma posição carente: deixou no banco Lucas, um jogador de qualidade e características semelhantes. Enquanto isso, a sistema defensivo sofria com um zagueiro e um goleiro inseguros. Valeria mais a pena levar um zagueiro de maior rodagem, que formasse uma dupla de respeito com Thiago Silva e desse mais tranqüilidade para o resto do time (e para a torcida).
           
            Deixando de lado as opções pessoais e os problemas encontrados, a seleção teve altos e baixos do ponto de vista tático. O aspecto mais interessante foi a procura por montar um esquema que favorecesse seus principais jogadores e desse liberdade para que eles se movimentassem pelo campo.
A questão é que essas movimentações e trocas de posições carecem de treino e de entrosamento, e isso não se conquista de um dia para o outro. Daí vem o maior pecado de Mano no trabalho da seleção até o momento: ele ainda não conseguiu definir uma forma de jogar para a equipe.
Na série de amistosos pré-Jogos Olímpicos, parecia que havia sido definida uma forma de jogar: no desenho 4-2-3-1, com constante troca de posição entre os 3 meias em torno de Leandro Damião, o centroavante de referência  para o pivô e, principalmente, para a finalização. Sem a bola, alternava entre a marcação por pressão e o recuo de suas linhas.


No 4-2-3-1, muitas variações na linha dos meias: nesse caso: Oscar (amarelo) pela direita, Neymar (azul) pelo meio e Hulk (vermelho) pela esquerda, sempre com Leandro Damião na referência.

Na mesma jogada da imagem acima: Neymar vai buscar o jogo, enquanto Hulk se projeta na diagonal: a liberdade concedida aos atletas gera uma grande variação de jogadas possíveis.

Outro momento no mesmo jogo: Hulk (vermelho) à direita, Oscar (amarelo) centralizado e Neymar (azul) pela esquerda. 

Na segunda partida, as trocas de posições permanecem: Hulk (vermelho) pela direita, Neymar (azul ) centralizado e Oscar (amarelo) na esquerda e na linha do Damião.

               Durante a competição, Mano sacou Hulk e escalou Alexsandro em seu lugar. Oscar ganhou liberdade para se movimentar pelo meio de campo e Neymar o mesmo pelo ataque. Rômulo e Alexsandro apareciam no ataque de forma alternada, com Sandro ficando mais plantado. Teoricamente, uma alteração mais defensiva, porém, com um dos volantes sempre avançava, a fragilidade defensiva se manteve.

Com Alexsandro no lugar de Hulk, a dinâmica muda um pouco: Oscar (amarelo) com grande liberdade, mas quase sempre atuando mais centralizado, Neymar (azul) também com liberdade, no ataque, e Rômulo (vermelho) alternando nos avanços com Alexsandro, como fica mais claro na imagem a seguir.


Oscar (amarelo) aproveita a liberdade para buscar o jogo, Neymar (azul) como atacante com liberdade, dando preferência ao lado esquerdo, ao qual está mais habituado, e Alexsandro (verde) agora avançando, enquanto Rômulo (vermelho) faz a cobertura defensiva.

            No amistoso após os Jogos Olímpicos, com o reforço de alguns atletas com mais de 23 anos, Mano alterou novamente o desenho tático da equipe: 4-4-2 com o meio de campo em linha. Rômulo e Paulinho formavam a dupla de volantes, Ramires executando o mesmo papel que executa no Chelsea, aberto pela direita, e Oscar aberto pela esquerda executando um papel semelhante ao de David Silva no Manchester City: composição da linha do meio pela esquerda sem a bola, e centralização para armar o jogo com a bola. Na frente, Neymar com liberdade para circular e Damião na referência.




No amistoso, uma nova mudança no desenho tático: Rômulo e Paulinho formando a dupla de volantes (azul), Ramires pela direita, como joga no Chelsea (vermelho) e Oscar (amarelo) compondo a linha do meio pela esquerda sem a bola e centralizando com a bola para armar o jogo.
           
              As três formações trabalhadas por Mano nesse curto período de tempo são interessantes e têm como elemento comum a mobilidade e troca de posições entre atletas (o que dificulta a marcação adversária) e a vontade de beneficiar as características de seus atletas. Porém é preocupante o fato de, em dois anos de trabalho, Mano ainda não ter definido uma maneira de jogar. Na seleção, com o grupo se reunindo esporadicamente, é pequeno o tempo de trabalho, por isso quanto antes ele definir uma linha, melhor para todos.
Qual desenho tático deverá ser usado por Mano? Todos têm uma dinâmica interessante,  o mais importante é que seja definido logo uma linha de trabalho já visando a Copa das Confederações do ano que vem e a Copa do Mundo de 2014.
          
                Apesar dos diversos problemas encontrados e do atraso em seu trabalho, sou a favor da permanência de Mano Menezes no comando da seleção. Primeiro porque acho que o trabalho dele tem alguns aspectos positivos, que podem e devem ser otimizados. Segundo porque considero inviável abortar um trabalho que, apesar do atraso, já está em andamento do que começar outro do zero a apenas dois anos da Copa. Terceiro porque não há hoje no Brasil nenhum treinador excepcional.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Os Erros do Brasil Feminino

         Ao soltar a convocação final da seleção brasileira, o técnico Jorge Barcellos afirmou que a preparação havia sido muito boa e que ganhar uma medalha estava nos planos da equipe. Realmente, uma seleção que tem tempo de preparação e que conta com talentos como Marta, Cristiane, Maurine, Formiga e Thais Guedes tem mais que sonhar com a medalha mesmo.
       Nas duas primeiras partidas, a seleção foi escalada no 3-5-2, com Renata Costa recuada fazendo a sobra na defesa e dando liberdade para Fabiana e Maurine, duas alas de recursos ofensivos. O meio de campo contava com três jogadoras “trabalhadoras”, e as jogadas eram construídas sempre na transição rápida, ou com as alas ou com as atacantes (duas das melhores jogadoras do mundo), em lançamentos da defesa ou passes em profundidade da Formiga. A bola não ficava no meio de campo, não havia viradas de jogo, valorização da posse de bola... muito pouco para um time com o plantel que tem.

Brasil no 3-5-2: meio de campo "trabalhador" e dependência das jogadas verticais das alas ou atacantes.
             O terceiro jogo é difícil de analisar devido ao fato de algumas jogadoras terem sido poupadas.
            Na partida contra o Japão, Jorge Barcellos mudou o esquema: com Rosana no lugar de Maurine (lesionada) e Thais Guedes no lugar de Ester, passou a jogar no 4-3-3, e a Renata Costa passou a atuar no meio de campo. Na teoria, esse esquema daria maior mobilidade e maior liberdade para as atacantes circularem pelo ataque e recuar pelo meio, valorizando assim a troca de passes e a posse de bola. Porém, excetuando-se uma ou duas tabelas isoladas, não foi o que se viu. O Brasil continuou travado, sem idéias e sem aproximações.
 Pior: sem sobra fixa, o sistema defensivo se viu inseguro e refém das transições ofensivas rápidas da equipe japonesa, como pôde ser visto nos dois gols sofridos: no primeiro Bruna não acompanha a adversária, que fica livre na cara do gol; e no segundo Érika fica no “mana-a-mana” com a adversária, que limpa e finaliza.


O Brasil no 4-3-3: na teoria maior liberdade e mobilidade. Na prática pouquíssimos ganhos ofensivos e insegurança defensiva.

Analisando a campanha da seleção, podemos apontar alguns problemas que foram encontrados:

-Falta de aproximação para tabelas, principalmente na zona de intermediária ofensiva, o que, além de limitar a posse de bola, leva o time a forçar muitas vezes a jogada com passes em profundidade ou cruzamentos na área em momentos não oportunos para isso.

-O Brasil teve nove escanteios a favor no primeiro tempo contra o Japão e nenhum nem sequer levou perigo de gol! Nos dois gols que haviam sido feito em jogada de bola parada na competição a goleira adversária falhou. Faltou maior efetividade. A cobradora levantar o braço e abaixar na hora da cobrança, sinceramente, não resolve nada. Precisa de mais que isso.

-Em muitos momentos as jogadoras “partiam para o individual” na ânsia de resolver o jogo. Não havia idéias e alternativas coletivas para reverter o placar desfavorável. Prova disso é que Barcellos fez sua primeira substituição faltando 10 minutos para acabar o jogo. Concordo que Maurine fez falta, mas faltou um banco mais confiável e em condições de trazer coisas novas para o campo.

-A defesa passou uma sensação de insegurança sem Renata Costa na sobra fixa. Ou essa situação foi pouco treinada antes da competição ou foi treinada e Barcellos já sabia dos riscos.


Jorge Barcellos comanda treino da seleção antes dos jogos. Bastante tempo de preparação e talentos individuais não foram suficientes para evitar a pior campanha do futebol feminino nos JOs.
          De modo geral, para uma seleção que se dizia bem preparada não foi uma boa atuação coletiva. Uma preparação bem feita (como anunciado) teria amenizado muito dos erros aqui apontados. E isso acabou estourando no desempenho individual das atletas. Sim, Marta esteve apagada e não desequilibrou em nenhum momento, mas, como eu já disse em um post anterior ao me referir ao Cristiano Ronaldo, a equipe deve dar condições para que sua estrela brilhe, e não jogar na esperança de que isso ocorra. O craque precisa do time assim como o time precisa do craque