O blog Conceitos Táticos, como o próprio nome entrega, visa abordar os conceitos táticos no mundo do futebol. Meu objetivo é analisar, provocar, fazer pensar, discutir e tirar dúvidas sobre o assunto. Estou sempre aberto a opiniões, sugestões, críticas, perguntas, discordâncias e etc.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Categorias de Base: Formar ou Ganhar?

“Quero que olhem os jogadores com os olhos do São Paulo, dentro do Padrão São Paulo. Recebo mil telefonemas dizendo “tenho um volante sensacional, com 1,94m”. Pô, estou trabalhando com futebol, não com basquete, e a primeira coisa que dizem é que o cara é forte e alto à beça. E daí? O meu interesse é: tem talento? Para observar o jogador, preciso saber: Tem talento? Tem leitura de jogo? Mobilidade? É um cara que sabe jogar no coletivo ou vai dar trabalho porque é muito individual?”

Esse é um trecho de uma entrevista do René Simões para a Gazeta Esportiva quando assumiu as categorias de base do São Paulo, e expressava uma preocupação sobre o que acontece em quase todos os clubes na hora de formar e selecionar jogadores.


René Simões, ex-diretor de base do São Paulo: preocupação extremamente válida.
O processo de crescimento de um indivíduo não segue uma ordem cronologia, mas sim biológica. A maturação de cada um acontece em um momento. Por isso vemos garoto de 13 anos com barba, pelo nas axilas e 1,70m e garoto de 13 anos ainda com cara de criança e 1,50m. Essa maturação precoce ou tardia influencia no desempenho de cada garoto no esporte, já que as categorias são divididas por idade, assim, o primeiro exemplo leva ampla vantagem sobre o segundo, principalmente do ponto de vista físico.
A cobrança por vitórias e títulos faz com que as categorias de base dos clubes tenham preferência pelos atletas mais altos e fortes (maturação precoce) no momento de selecionar jogadores. O resultado em curto prazo é positivo.
A questão principal aqui é que com o passar dos anos, esses atletas vão perdendo essa vantagem, já que, mais cedo ou mais tarde, todos chegam à maturidade biológica, o que iguala a condição física dos jogadores. Não raro vemos jogadores que se destacam nas categorias de base justamente pela força física e não obtém o mesmo desempenho no profissional.
Por isso é fundamental trabalhar com capacidades não só físicas, como também táticas, cognitivas, técnicas e psicológicas desde a escolha do atleta até sua formação dentro do clube.
Temos como exemplos opostos o Palmeiras, que apesar de conquistar dezenas de títulos nas categorias de base tem uma grande dificuldade em formar jogadores que sejam aproveitados na equipe de cima, e a geração do Barcelona, que cresceu dentro de uma filosofia de trabalho que aborda todas as gamas acima citadas e conquistaram coisas grandiosas apesar da baixa estatura média do time.

Pequenos, porém talentosos: qualidade técnica e inteligência de jogo superaram forças físicas.

Não devemos aqui subestimar o valor de um título. Ele é fundamental e devemos sempre buscá-lo. O ponto aqui é discutir a forma como isso pode ser feito. Devemos lembrar que nas categorias de base estamos formando o jogador. Por vezes é válido percorrer um caminho um pouco mais longo, desde que isso signifique um trabalho melhor feito em cima de cada atleta no sentido de prepará-lo para o futebol profissional e para a vida adulta de forma geral.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A seleção de 70 e as semelhanças com a atual

        A seleção de 1970 é exaltada por muitos como a melhor seleção que o Brasil já teve. Realmente, contava com nomes como Pelé, Tostão, Rivellino, Gerson e outros, encaixados e bem treinados. O interessante é que essa é daquelas “verdades absolutas” repetidas por gente mais nova que nunca viu mais que dois ou três lances daquela Copa e de gente mais velha que tem apenas esses alguns lances na memória. Estimulado por um post do André Rocha (colunista da ESPN), fui atrás de analisar a forma de jogar dessa seleção e constatei: há muitas semelhanças com o que Mano Menezes tem tentado aplicar na seleção atual.
        Aquela seleção contava com três excelentes pontas-de-lança, e para encaixá-los Zagallo fez algumas adaptações: Rivellino foi jogar de ponta esquerda e Tostão ficou no que vou chamar de referência móvel.
        Este era apenas o desenho tático inicial, já que a grande movimentação e troca de posições entre os atletas tornava a equipe extremamente dinâmica e imprevisível. Tostão muitas vezes abria pela esquerda ou recuava para armar a jogada, abrindo espaço para as infiltrações de Pelé, Jairzinho e às vezes de Rivellino e até Carlos Alberto Torres e Clodoaldo. Aliada à intensa movimentação e infiltrações, uma arma muito efetiva eram os lançamentos de Gerson (arma que não é utilizada na seleção atual, cuja dupla de volantes é composta por carregadores de bola, que têm o costume de aparecer no ataque, mas não de realizar lançamentos). 

Na formação inicial: Tostão na referência fazendo o pivô para Rivellino na esquerda.

Tostão abrindo para a esquerda, gerando espaço para a infiltração do volante Clodoaldo.

Tostão recuando, abrindo espaço para a infiltração de Jairzinho.

Jairzinho (7), o ponta-direita, por vezes abria pela esquerda, abrindo um buraco no lado oposto. Detalhe: este lance é contra o Uruguai, mostrando como a movimentação não foi exclusiva e por acaso no gol do Carlos Alberto Torres contra a Itália. 

Arma mortal, que a seleção atual não conta: os lançamentos de Gerson.

Jairzinho se projetava no meio da área como autêntico centroavante. Não é a toa que ele foi o artilheiro da Copa, tendo feito gols em todos os jogos.
        Há pouco tempo realizei um post aqui no blog analisando as variações táticas experimentadas pelo Mano. Em todas elas, ele contava com um autêntico centroavante. Nos últimos amistosos, com a entrada de Kaka no lugar de Leandro Damião, Mano mudou a forma de jogar da equipe, deixando Hulk, Oscar e Kaka como trio de meias atrás de Neymar, que fazia a referência móvel.
        De maneira muito semelhante à de Tostão em 70, Neymar é a referência, mas não fica centralizado. Abre pelos lados (principalmente pela esquerda) ou recua, abrindo espaços para a ultrapassagem dos meias e dos volantes.
        A grande diferença, como dito acima, é a característica da dupla de volantes. Se Clodoaldo de certa forma se assemelha aos dois atuais, Gerson tinha uma forma de jogar bem diferente, cadenciando mais o jogo e realizando passes e lançamentos primorosos. 

Momento de marcação da seleção brasileira atual: praticamente um 4-2-4.

Neymar recuando para armar a jogada e abrir espaço para a infiltração dos meias.

Neymar abrindo pela esquerda para armar a jogada, abrindo espaço para a infiltração dos meias. Compare essas duas últimas fotos com a movimentação do Tostão. Mera coincidência?
        Não sei dizer se Mano Menezes estudou a seleção de 1970 e realmente se inspirou nela, mas as semelhanças estão aí. Talvez o caminho seja um pouco mais longo: Mano já afirmou se inspirar em Pep Guardiola, que disse ter aprendido muito com as seleções brasileiras de 1970 e dos anos 80.